Sarah Grilo, Azules y violetas, 1961. Oleo sobre tela, 162 x 146 cm. Colección Pampa.
Uma única e densa tela, imersa nos tons da escuridão submarina, carrega uma impressão muito pessoal em suas variações texturais. Pintada em abril de 1961, Azules y violetas é um exemplo clássico da abstração cromática de Sarah Grilo, que foi chamada uma vez de “a grande colorista de sua geração”.1
Naqueles anos, quando a novidade da pintura argentina se decidia entre o informalismo e a nova figuração, a artista costumava projetar na tela suas explorações formais subjetivas, animando o tecido com uma paleta intuitiva e grande espontaneidade de gestos.
Atelier de Sarah Grilo, Madrid, 2007. Fotografía de Juan Muro.
Sarah Grilo é uma figura central na história da arte argentina. Ao longo de uma carreira de mais de sete décadas, produziu um corpo de obras prolífico que abrange a transição da abstração na pintura moderna e contemporânea.
Sarah Grilo, 1960. Fotografía de Diana Levillier.
Durante a década de 1950, Grilo foi uma participante assídua dos círculos artísticos de Buenos Aires e desempenhou um papel crucial no processo de visibilidade da arte abstrata argentina através de exposições internacionais e participações em bienais. Entre 1952 e 1955, convidada pelo crítico Aldo Pellegrini, fez parte do “Grupo de Artistas Modernos da Argentina”, uma coalizão de artistas não figurativos que conseguiu reunir os mais fervorosos defensores da arte concreta com outros artistas abstratos independentes. Alguns anos depois, após ter integrado o coletivo “Buen Diseño para la Industria”, Grilo foi incluída na exposição de 1960 Cinco pintores no Museu Nacional de Belas Artes — ambos os projetos nos quais se destacou, sendo a única artista mulher.
Grupo de los Cinco: Miguel Ocampo, Sarah Grilo, Clorindo Testa, José Antonio Fernández-Muro, Kazuya Sakai.
Museo Nacional de Bellas Artes, Buenos Aires, 1960. Fotografía de Diana Levillier.
Por volta de 1961, aqueles que frequentavam a “manzana loca” poderiam ter visto obras de Grilo no Instituto Torcuato Di Tella e na Galeria Bonino. Além disso, em junho daquele ano, a Galeria Van Riel exibia obras do Premio Werthein de Pintura Argentina. 2 Entre elas estava Azules y violetas, obra de um momento crucial na carreira artística de Grilo. Alguns meses depois, já com uma bolsa da Fundação John S. Guggenheim Memorial, a artista embarcaria para Nova York, iniciando o capítulo inicial de seu exílio voluntário permanente. Fora da Argentina, logo abandonaria esse tipo de abstração (frequentemente chamada “lírica”, para distingui-la da intransigência dos abstratos ortodoxos) e se voltaria para um expressionismo fortemente ligado à arte pop, cuja infusão linguística e caligráfica a aproximava da cotidianidade de sua realidade contemporânea.
Catálogo de la exposición “Premio Werthein de Pintura” en la Galería Van Riel, Buenos Aires, 1961.
Institute for Studies on Latin American Art (ISLAA) Archives, New York.
Poster de la exhibición “Premio Werthein de Pintura”, Galería Van Riel, Buenos Aires, 1961.
Institute for Studies on Latin American Art (ISLAA) Archives, New York.
Como tal, Azules y violetas é o vestígio de uma época chave, em que a cena local, cada vez mais em diálogo com o campo internacional, se desprendia do legado da arte concreta e da abstração geométrica, que haviam sido os pilares do desenvolvimento das artes plásticas na década anterior. Na tela de Grilo, podem-se vislumbrar os rastros — talvez as sombras — de zonas quase geométricas: espaços circulares e semi-ortogonais, que oscilam entre a geometria e a ondulação rítmica, reunidos em um centro dinâmico com margens estruturantes. Capciosamente próxima do monocromático, a obra se inscreve na busca — tão esgotada — pelo valor fundamental da pintura; uma investigação que, naqueles dias, costumava se confundir com uma espécie de expressionismo abstrato internacional.3
Já fazia algum tempo que Grilo desafiava em sua obra a ortodoxia da representação ilusionista. No entanto, em 1969, Jorge Romero Brest, na época Diretor do Centro de Artes Visuais do Instituto Torcuato Di Tella, escrevia que “Sarah Grilo era, por volta de 1960, uma estranha pintora pós-cubista”, 4 refletindo uma incapacidade institucional de inscrever a carreira da artista dentro de uma vertente autônoma. Mesmo no fim da década, o trabalho de Grilo era visto como uma expressão adiada das experiências desenvolvidas pelas vanguardas históricas. Esse anacronismo interpretativo, que ainda prevalece, reflete um certo desconforto historiográfico em enquadrar sua produção nas categorias existentes. Afinal, Grilo permaneceu independente, mesmo quando trabalhou de maneira associada; foi excessivamente lírica para os concretos, muito intuitiva para os programáticos, um pouco tardia para o expressionismo abstrato e demasiado pictórica para o informalismo. Somente igual a si mesma, a trajetória de Sarah Grilo se inscreve em uma narrativa que continua sendo, ainda hoje, fervorosamente soberana.
Sarah Grilo frente a la obra Mr. President en su exposición individual en Byron Gallery, Nueva York, 1967.
Fotografía de José Antonio Fernández-Muro.
1 Damián Bayón, “Cuatro pintores argentinos de Nueva York,” La Nación, 6 de dezembro de 1964.
2 Ernesto Ramallo. Prêmio Werthein de Pintura Argentina (Buenos Aires: Galeria Van Riel, 1961).
3 Ver resenha da exposição “Modern Argentine Painting and Sculpture” na Scottish National Gallery of Art, Edimburgo, em Cordelia Oliver, “Art from the Argentine”, The Guardian (Londres), 7 de junho de 1961, p. 9.
4 Jorge Romero Brest, Arte en la Argentina: Últimas décadas (Buenos Aires: Paidós, 1969), p. 40.
Karen Grimson (Buenos Aires, 1986) é Licenciada em Artes pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires, com mestrado em História da Arte pelo Courtauld Institute of Art de Londres. Entre 2011 e 2020, trabalhou no Museu de Arte Moderno de Nova York, onde colaborou no desenvolvimento de aquisições e exposições de arte latino-americana, como “Joaquín Torres-García: The Arcadian Modern”, “Tarsila do Amaral: Inventing Modern Art in Brazil” e “Sur moderno: Journeys of Abstraction—The Patricia Phelps de Cisneros Gift”, entre outras. Publicou textos nos livros Among Others: Blackness at MoMA, Being Modern, MoMA Highlights, e Joaquín Torres-García; escreveu artigos para as plataformas digitais Magazine e Post; e ministrou cursos sobre modernismo brasileiro no MoMA. Em 2018, foi curadora da exposição Pablo Gómez Uribe: All That Is Solid na Galeria Proxyco de Nova York, e co-curadora da exposição coletiva de arte contemporânea colombiana Archipiélago Medellín na Sala Suramericana.