Fica claro que Ernesto Ballesteros joga com seus próprios paradigmas tanto quanto com seus elementos recorrentes —tendo em mente que os componentes e referências se movem permanentemente em suas obras—, embora seus temas (suas ancoragens) sejam quase sempre os mesmos: uma reversão pessoal da ciência aplicada à arte, o jogo e suas incertezas diante da imagem, as sucessivas mudanças de formatos, a fascinação com o processo mais do que com o resultado, a incorporação de colegas na elaboração de suas peças, às vezes apenas estabelecendo as regras, embora geralmente, nesses casos, ele também se adicione como um mais.
Em uma antiga página da web que já não está mais online (talvez seja reativada, não sabemos), ele diferenciava em sua produção dois períodos (duas abas do site virtual). O visitante podia escolher as propostas correspondentes aos seus projetos do século XX, ou do século XXI. Na mínima biografia que acompanhava a disposição das imagens, podíamos ler (cito de memória pelas razões óbvias): “A partir do ano 2000, desfruto da minha obra”. Dito isso, a suspeita de revisão e reformulação de muitos de seus tópicos permanece vigente.
Desde os nove anos, simultaneamente às aulas no Instituto Vocacional de Arte Labardén, ele frequentava —como lemos em uma de suas biografias— a oficina de pintura de Alberto Murillo, que era supervisionada por Alberto Bruzzone. “[Lá] recebeu um ensinamento que ainda aplica hoje em sua atividade docente: desenhar as coisas de dentro para fora, sem bordas”. Não menos certo é que ele não faz isso apenas em suas atividades pedagógicas.
Esse deslocamento de dentro para fora costuma articular a narração de seus procedimentos, os encadeamentos de sentido e experiência que o levam de uma obra a outra; suas mudanças singulares de condição (e com isso voltamos à dinâmica criativa de seus parâmetros).
Em meados de julho de 2024, trocamos áudios pelo WhatsApp tentando reconstruir a singularidade radical da pintura que hoje faz parte da coleção. Embora compartilhe o título de uma de suas séries iniciais, ela se distancia muito, tanto de sua suposta matriz quanto do restante de sua produção. Reconstruo o diálogo, focando na voz do artista.
Outra presença. “Não muito depois, entrei em contato com Carlos Trilnik, que me apresentou o vídeo arte. Comecei a fazer desenhos de Vito Ver e sua namorada (Vito Verá, que era igual a Vito Ver, mas com cabelo longo). Eu desenhava os rostos e comecei a fazer croppings, recortando e modificando partes do desenho, que envolviam os pescoços dos personagens, as pernas, os tênis, que não chegavam a ser abstrações, mas o espectador precisava se concentrar mais para descobrir que ‘isso pode ser um calcanhar, e isso outro uma perna’, etc. E eu os pintava me aproximando o máximo possível das cores básicas da televisão. Usava azul para as sombras, branco para as luzes, e linhas grossas nos contornos para evidenciar o zoom, o cropping. Eram linhas de aproximadamente dez centímetros, bem grossas”.
Evolução. “Depois fiz uma instalação no CAyC (Centro de Arte e Comunicação) que basicamente eram pontos. Eu os desenhava com a caneta Rotring e depois os ampliava bastante. Um ponto é uma coisa ideal, não existe morfologicamente como tal; se fosse perfeito, seria um círculo, mas nunca é. Então, havia formas que tendiam a ser um ponto, mas quando você se aproximava pareciam continentes; lembro de uma que parecia a Antártida. Fiz quarenta e nove dessas formas, das quais conservo umas quarenta e cinco. Essas obras tinham as cores primárias.”
A série. “A exposição Inocentes distractores no Instituto de Cooperação Iberoamericana (ICI) foi nesse contexto, mais uma vez com as cores primárias da TV, do vídeo, que são a fúcsia, o azul, o verde, e que então representavam a parte inferior das costas da namorada de Vito, o capitonê de um sofá, o lado de uma casa e o horizonte de Vito Ver; a casa era uma pedra alongada, um menhir bem fino. O título da série que apresentei na ocasião, El movimiento contínuo, tem a ver com os televisores da época, com os jatos de luz projetados de trás do aparelho, que mesmo quando a imagem estava parada ainda havia movimento, aqueles pontinhos típicos. Por isso, todas essas telas têm esse quadro curvo negro, imitando os antigos monitores de televisão, uma espécie de quadrado com uma curvinha”.
A exceção. “Imediatamente depois, fiz uma especialmente para apresentar a um concurso. Quanto ao tamanho, as medidas eram as que estabelecia o prêmio, quando o apresentei. Acho que o prêmio era patrocinado pela empresa Manliba, que recolhia o lixo de Buenos Aires naquela época, embora não tenha certeza. Então imaginei um papel que caía da coleta, que se escapava, por isso estão os paralelepípedos vermelhos e o papel branco flutuando em uma vista contra zenital”.